Deus devia estar de bom humor quando juntou Juscelino, Israel Pinheiro, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Era assim que o nosso Darcy Ribeiro se referia ao que eu chamo de O Time de Deus. E isso é bem verdade. Deus escalou esse time, disse que eles podiam jogar como quisessem e se foi cuidar de outros menos vocacionados para o impossível, como nós.
Estamos entrando no período do céu limpo, sol belíssimo ao alvorecer e ao entardecer; de lua provocadora e de brisa acalentadora passeando sobre Brasília, de leve, acariciando, sem despentear, suas árvores floridas e grandes.
Há alguns dias, peguei-me numa insônia e resolvi dar melhor destino a ela. Fui, ainda no escuro, mais ou menos lá pelas três e meia da madrugada, para a Praça dos Três Poderes, esperar o sol nascer. Ele se anunciou, não se fez esperar muito e logo apareceu, cumprindo uma marcação de cena perfeita e deslumbrante, tinha luz de contorno, luz-chave e até contraluz. Lindo, como o único dono da cena, olhando com ternura e altivez para uma cidade que foi posta ali para o esperar. Será que o sol, nascendo bem na Praça dos Três Poderes, não foi obra da cumplicidade do Time de Deus com a natureza? Eu acredito que Dr. Lúcio girou em alguns graus a marcação da cidade que ele inventou, de modo a criar esse espetáculo que eu vi e teve mais dois atos no mesmo dia.
À tarde, calado como Dr. Lúcio, em homenagem ao seu estilo, voltei à Praça dos Três Poderes, para assistir ao crepúsculo e esperar a lua, que veio como se fosse uma mulher apaixonada, pondo-se de pé, para aplaudir o sol que acabara de se apresentar. Em Brasília, parece que os dois se olham e se cumprimentam, com admiração mútua, de longe.
Depois do grande espetáculo em três atos, que deixa todo mundo excitado, vem o vento que, para os Gregos, confunde-se com a presença do criador e, soprando leve, passa a mão na nossa cabeça como o gesto mais antigo de carinho, afago e acalento que o homem já conheceu. O vento passa pela cidade de leste para oeste, seguindo a indicação de Dr. Lúcio, de modo a chegar mais puro, em cada quadra, para que todos nós possamos respirar orgulhosos e saudáveis.
Dr. Lúcio Costa é o homem que mandou no sol, na lua e no vento…
Brasília é mais surpreendente do que a fábula das mil e uma noites; sempre haverá mais uma história para ser contada. Brasília nunca foi feita. Ela é criada todos os dias, pois ela foi tirada do nada. Criar é prerrogativa dos deuses, enquanto que fazer é somente articular elementos já existentes. E se ela foi feita, é o mais primoroso arranjo original de elementos banais. Pedra, areia, tijolo, suor e sonho fazendo as vezes de cimento, juntando tudo.
Já que o Time de Deus, vocacionado para o impossível, encontrou o futuro e o trouxe até nós, reduzindo o nosso tempo de espera por ele, devemos acreditar que, nas casas, nas repartições, nas escolas, nas fábricas e nos quartéis, a sociedade feliz, sem indiferenças, justa e solidária já está socialmente sonhada.
Dr. Lúcio, roteirista e diretor de tão belo filme que, diariamente, projeta-se no céu de Brasília, espera que sejamos capazes de mandar no nosso destino soberano, principalmente nas telas do cinema brasileiro, no nosso mercado audiovisual, assim como ele mandou no sol, na lua e no vento. O Time de Deus quer que entremos em cena e ocupemos nossas telas. Uma sociedade que não se reconhece na sua arte e nos seus espetáculos, que não tem auto-estima, não tem autoconfiança, não tem saúde, não tem educação, não tem futuro. Criminalidade, pobreza, desagregação social, fome, devem receber tratamento de coragem, honestidade e inteligência.
Brasília, serena e afetuosa, foi criada para ser insubmissa aos desejos não comprometidos com o destino altivo e soberano do povo brasileiro. O sol, a lua e o vento não se envergonharão do povo que os admira todos os dias.
Pedro Jorge de Castro – Cineasta
Doutor em Comunicação e Artes.