Diário do Nordeste, 29 de janeiro de 2006.
Em dezembro, o país fica agitado pela saudade e pelo futuro. É hora de acender a chama da esperança. Esperança de satisfação, de sonhos ou de direitos, por vezes não sabidos, mas são direitos.
Deixei Fortaleza em fins dos anos 60 na busca do meu destino na Europa. Tomei decisões para o resto da vida. Andei com a minha Fortaleza no coração, povoada pelas imagens de meus pais e de meus dez irmãos. Às vezes, era pesado caminhar por Roma, Moscou, Praga, Paris, Alger, Londres, Berlim na companhia de todos eles, mas, às vezes, eles eram as plumas que me faziam voar. Um dia, voltei e me vi órfão de cidade.
Agora, essa orfandade tornou-se insuportável. Em Fortaleza, encontrei os filhos de Moacir (o primeiro cearense na ficção de José de Alencar) e os filhos de Miami (terra tomada dos mexicanos pelos Estados Unidos, paraíso de férias da alienação fortalezense). Os filhos de Moacir, embora donos da terra, não têm do que viver. Sua simplicidade tornou-se subserviência, e sua inteligência, o objeto da exploração pelos filhos de Miami. Estes são arrogantes, intolerantes e vivem numa terra onde também eles não se encontram. Estão ali, mas suas cabeças e seus desejos estão nos shoppings de Miami. São de uma indiferença criminosa. Para eles, a pobreza é apenas uma movimentação de cena. É como se a miséria do próximo fosse virtual.
A cidade está cheia de anúncios de cursos de empreendedorismo (palavra que não existe), mas é preciso dizer que a grande empreitada para os jovens de Fortaleza será diminuir a miséria vergonhosa e indigna. Ficar rico sozinho, por caminhos retos ou tortuosos, é tarefa fácil. A grande tarefa é tirar o grande batalhão dos filhos de Moacir da indigência.
Não adianta os pais dos filhos de Miami tentarem protegê-los, reforçando as grades, os portões ou ligando em celulares, transformando-os em pequenos deuses caseiros. O contingente dos filhos de Moacir é muito maior se comparado com o dos filhos de Miami. E eles, os filhos de Moacir, multiplicam-se, pois têm um grande batalhão feminino em que,
tradicionalmente, os filhos de Miami colocam seus espermatozóides. O batalhão masculino de subnutridos é resistente, ágil e esperto e, ao comando de uma liderança carismática, vai ganhar a parada na ponta do canivete.
Tenho muitos sobrinhos e, quando indaguei quem já tinha andado de ônibus na cidade, ficaram indignados diante de minha pergunta. Nenhum deles tinha posto os pés no ônibus do povo.
Cabe, pois, aos pais e à escola dizerem que pobre é gente e que nasceu inocente, cheio de direitos que lhes foram tirados. A escola, a faculdade, os pais devem mostrar que ser solidário exige mais competência do que ser competitivo. Os criminosos, os ladrões, os corruptos são competitivos, criativos, mas sua competência e sua criatividade não são benéficas à sociedade, assim como a usurpação também não o é.
Os políticos, parlamentares principalmente, não sabem que eles são o elo mais vulnerável e efêmero da democracia. Eles, se eleitos, terão um mandato com dia para começar e dia para terminar. O eleitor é vitalício, vota até ao final de sua vida. Os parlamentares devem ter cuidado na definição das suas benesses, para não se afastarem tanto dos que nada têm a não ser seus direitos e o poder de rebelar-se.
Educação, os Cieps, a saúde pública são, muitas vezes, mais baratos do que reformatórios e penitenciários. E político corrupto na cadeia também é mais barato do que mantê-los à solta por aí, no meio do povo inocente.
Diário do Nordeste, 29 de janeiro de 2006.
Pedro Jorge de Castro – Professor UnB
Cineasta – Doutor em Comunicação.