Beirute é o bar mais tradicional de Brasília. O lugar tem seu encanto particular, possui uma voltagem capaz de imantar qualquer indiferença e espantar qualquer desânimo de fim de semana. É um laboratório de pesquisa e de reparo de cabeças e corações. Capaz de restabelecer relações e acertar convivências desajustadas.
No Beirute, podem-se encontrar muitas interpretações dos gênios da representação. Lá, analisam-se as perspectivas dos enquadramentos de John Ford, a tensão dramática dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani em Pai Patrão e a dialética de Pasolini; tomam lugar verdadeiras instalações das interpretações de Charles Chaplin; discute-se a busca estética de Picasso. Tipos engenhosos lembram que Leonardo Da Vince existiu mesmo! Há Gandhis de olhares profundos, há diálogos de Shakespeare sob o foco único de um Camões, há recados de Chico Xavier e a devoção inabalável ao Padre Cícero. Lá todos estão condenados à liberdade.
No Beirute, os herdeiros de Maio de 68 misturam-se aos caras-pintadas. Pode-se descobrir, lá no canto do bar, um Einstein, relativizando a temperatura e o tempo de uma cervejinha, que vai parar no copo de um Freud que não entendeu nada. Enquanto a cena evolui, um tal de Marx ajusta a iluminação, dando um brilho à luta de classes e cria a dramaturgia universal. Do outro lado da rua, um Hitler de bigodinho e tudo quer só dar uma olhadinha no panorama social do momento, mas é radicalmente barrado pelo inesquecível companheiro, Che Guevara, que agiu sem perder a ternura, “aqui não”… No corredor do centro, um professor, gorducho e de olhos grandes, prova que o Dr. Lúcio Costa foi o homem que mandou no sol, na lua e no vento no momento em que determinou a posição do Plano-Piloto. Na mesa ao meu lado, fazendo a repartição dos quibes servidos com o bom azeite trazido do Monte das Oliveiras, o grande visionário da felicidade do homem, Jesus Cristo, tenta conciliar um grupo de 12 intelectuais de ideologias progressistas, lembrando que o maior valor da convivência humana é a solidariedade: – Ninguém, nem meu pai, pode ser indiferente ao destino do próximo, disse, lançando seus olhos verdes nos meus, pretos e grandes, lembrando-me da escola da competitividade.
Não há nenhum outro local que identifique mais claramente a unidade e a contradição de Brasília. O Beirute é a dialética pura encenada e aplaudida, ao mesmo tempo, pela platéia e pelo atores. É o mais dinâmico e vigoroso teatro interativo, sem divisão entre ensaio e obra, entre representação e interpretação. É a mais valiosa terapia comunitária de portas abertas para a rua que existe na cidade.
Não há eleição que não passe pelo Beirute. Não há resultado do Maracanã, Sambódromo ou do Mané Garrincha que não seja exaltado ou xingado no Beirute. Afinal, é lá que se encontra o referendum dos pensantes que se dispõem a falar. Não há esperança que lá não seja revelada. Não há amor nem conquista que lá não sejam cantados, como também não há mágoas de amor que não sejam purgadas por lá.
Todo candidato gostaria de ter sua simpatia testada e aprovada pelos eleitores do Beirute. Alguns sabem que não têm alforria para serem freqüentadores daquele bar-laboratório. O candidato do Beirute toma posse no imaginário de todos e deve prestar contas de suas promessas, sob pena de passar dos aplausos para a vaia e a condenação.
Lá, como em toda sociedade sadia, o imaginário é meio, e não alienação, que possibilita a revelação do real. A imaginação responde a uma profunda necessidade da sociedade ao não se contentar com o estado das coisas. A população do Beirute talvez tenha formatado, em sua imaginação, um Brasil ideal, honesto, trabalhador e feliz, onde cabemos todos nós. A imaginação enseja muitas opções de conhecimentos, de aspirações, idealizações e desejos, viabilizando a opção da escolha.
Na mesa do Beirute, nas ruas e casas do Brasil, nas escolas, nas fábricas, nos quartéis e nos conventos, a sociedade feliz está socialmente sonhada. Vamos realizá-la enquanto é tempo. Peço aos eleitores do Beirute que sejam condescendentes na defesa dos seus interesses pessoais, mas que sejam radicais na defesa do bem comum.
Pedro Jorge de Castro – Cineasta
Doutor em Comunicação
Diretor do Instituto Animatógrafo de Comunicação.